Aqui está uma seleção incrível de poesias de Fernando Pessoa para inspirar você.
Selecionamos os 5 melhores poemas desse grande autor. Confira logo a seguir.
A tabacaria
Não sou nada
Nem nunca serei nada
Nem posso querer ser alguma coisa
À parte disso, em mim eu guardo todos os sonhos desse mundo
Janelas da minha casa
Da minha casa de um dos milhares do mundo
Que ninguém consegue saber quem é
E se soubessem, o que é que saberiam?
É um mistério no meio dessa rua que é sempre cruzada por tantas pessoas
Uma rua inacessível a tantos pensamentos
Real, de uma forma impossível, mas certa, de forma desconhecida
Carregada de mistérios por entre as pedras e os seres
Com a morte a umidade das pareces
E os cabelos brancos de mulheres e homens
Com a destino a ser conduzido numa carroça rumo ao nada
Hoje estou vencido, como se tivesse descobrindo a verdade
Hoje estou lúcido, como alguém que está pronto para morrer
E já não tivesse alguma irmandade com nada
Senão uma breve despedida, desta casa e deste lado da rua
Em meio a fila de carruagens que partem num apito
De dentro da minha própria cabeça
E aquele ranger das ferragens e a sacudida nos nervos
Sinto-me perplexo, como quem pensou, e achou e esqueceu
Dividido entre a lealdade que carrego
E a tabacaria da esquina, como algo real por fora
E ainda a sensação de que não passa de um sonho, de algo real por dentro
Falhei em praticamente tudo
Já que não tive nenhum propósito, então tudo virou nada
A aprendizagem de que me deram
Desci dela pelas janelas dos fundos da casa
Poema escrito em linha reta
Nunca conheci alguém que tivesse levado porrada
Talvez os meus conhecidos sejam apenas os campeões de tudo
E eu, que por muitas vezes reles, tantas vezes porco e até vil
Eu que, tantas vezes como um parasita irresponsável
Sujo
Eu, que tantas vezes perdi até a paciência de tomar banho
Eu, que tantas vezes absurdo e ridículo
Que enrolo os pés publicamente nos tapetes que exigem etiqueta
Que tão grotesco, submisso, mesquinho e arrogante
Que sofro calado enxovalhos
E quando não me calo, sou ainda mais ridículo
Eu que, as criadas do hotel tenham sido cômicas
Eu, que sinto o piscar de olhos dos moços que fazem frete
Eu, que tenho vergonhas financeiras, e que pego emprestado e não pago
Eu, que no momento do soco, lobo me agacho
Pra longe do soco, desviando
Eu, que tenho sofrido a angústia das coisas que são ridículas
Todas pessoas que conheço e que falam comigo
Nunca tiveram um ato ridículo, nunca sofreram enxovalho
Nunca fora, senão príncipes, todos príncipes na vida
Quem me dera então ouvir de alguém uma voz humana
Que confessasse pecados e infâmias
Que contasse, não violências, mas covardias
Não, são todos o ideal, aqueles que me falam
Quem neste mundo que me confesse que ao menos uma vez já foi vil?
Meus irmãos, meus príncipes
Estou farto dos semideuses
Onde é que há gente de verdade nesse mundo?
Ou será que só eu sou vil e errôneo?
Poderão as mulheres então, não amarem
Terem sido traídas, mas ridículas nunca foram
E eu que sou ridículo sem ter nem sido traído
Como posso ir a falar com meus superiores e não titubear?
Eu, que tenho sido literalmente vil
Vil no sentido mais mesquinho e infame
Auto psicografia – Poesia de Fernando Pessoa
O poeta não passa de um fingidor
Ele finge de forma tão completa
Que chega até fingir a dor
A dor que nem mesmo sente
Mas sente quem os leem
E na dor lida se sentem bem
Não as dores que eles têm
Mas a que eles não têm
E dessa forma nas calhas da roda
Gira e entretém a razão
Nesse comboia de cordas
Que chamam de coração
Não sei quantas almas eu tenho
Não sei quantas almas eu tenho
Mudei em cada momento
Vez em quando me estranho
Nunca me vi e nem acabei de ver
De tanto que eu sou, só tenho alma
E aquele que tem alma, jamais tem calma
Quem vê é só aquilo que ele vê
Mas quem sente não é aquilo que é
Atento aquilo que sou, eu vejo
Torno-me ele e não sou apenas eu
Cada sonho ou desejo
É daquilo que nasce, não meu
Eu sou a minha própria paisagem
Assisto á minha passagem
Móbil, diverso e só
Não sei sentir a mim mesmo onde eu estou
Por isso, vou lendo
Como as páginas do meu ser
O que segue não pode ser previsto
O que passou se pode esquecer
Noto nas margens do que li
O que eu julguei ou senti
Releio: mas será que fui eu?
Deus sabe, porque ele o escreveu.
Todas as cartas – Poesia de Fernando Pessoa
Todas as cartas escritas de amor são
Ridículas
Se não fossem de amor, não seriam
Ridículas
No meu tempo também escrevi estas cartas
Que assim como as outras,
Ridículas
Tem que ser essas cartas
Ridículas
E, afinal,
Apenas aquelas criaturas que nunca escreveram
Uma carta de amor
É que são, na verdade,
Ridículas
Ah! Quem me dera no tempo em que eu escrevia
Sem dar nada por isso
Cartas de amor tão
Ridículas
A verdade é a de que hoje
As minhas memórias
De tais cartas de amor
São
Ridículas
Todas os termos esdrúxulos
E os sentimentos esdrúxulos
São todos
Ridículos.
Colhe o teu dia porque você é ele
Alguns, de olhos postos sempre no passado
Veem aquilo que não veem, enquanto outros, fitos
Com seus olhos no futuro, veem
Aquilo não pode ver-se
Por que ir para tão longe pelo que estão tão perto
A nossa segurança é esse dia
Esta é a hora e este é o momento, e isto
É quem somos, e é tudo
A interminável hora fluir perene
E nos confessa nulos, neste mesmo hausto
No que vivemos, também morremos, então colhe
Colhe o teu dia porque você é ele